Fui eu passar o fim-de-semana a vila Fernando, uma aldeia pacata perto da guarda onde guardo as minhas raízes, no intuito de relaxar e aproveitar o tempinho para descansar...
Já a tarde ia avançando quanto, ao estar descansada a podar as roseiras, me avisam que temos de seguir viagem rapidamente para Lisboa, pois os incêndios estão a alastrar-se por todo o centro e a guarda está praticamente rodeada deles.. Imediatamente o medo se instalou e em 20 minutos tínhamos as malas feitas e começávamos a nossa viagem ao inferno..
Varias tinha presenciado incêndios, mas ou virava a cara, ou nem me chegava perto, pois desde cedo percebi uma certa fobia por incêndios.. pois, mas ontem não tive hipótese.. nem que estivesse aqui duas horas a descrever o que vi, senti, cheirei, seria impossível de vocês compreenderem o terror desta viagem..
logo de inicio se avistava um fumo negro para o nosso lado direito, mas que com uma rapidez impressionante cobriu completamente o céu, inclusive o próprio sol, que passou a ser uma bola alaranjada, para a qual se olhava sem menor dificuldade.. como é possível!? incêndios taparem completamente o céu de modo que parecesse que estávamos em pleno inverno, por baixo de um nevoeiro serrado?! e que não se via 10metros a frente do carro, e tínhamos plena noção que, para além do fumo, brilhava um dia limpo de sol.. para cá do fumo, morriam milhares de arvores, de animais.. sabem do que me lembrei? da lista de shindler, lembro-me de haver uma parte do filme em que as pessoas ao andarem pela rua, coberta por uma "nuvem" escura, estranhavam o que se tinha passado, sem perceberem que seres vivos estavam a ser queimados.. claro que pelo menos ainda não chegamos ao números absurdos de mortes humanas que o holocausto provocou, mas já morreram (pelo menos) 9 pessoas desde que esta tragédia começou, e se formos por em causa o numero de seres vivos que já morreram... bem, é melhor não entrarmos por aí...
como quando tudo está mal, tem tendência a piorar, quanto mais andávamos pior ficava, agora não era só o fumo negro mas sim o ar que se tornava totalmente asfixiante. fomos obrigados a mudar de estrada e, depois de andar quase 2horas praticamente parados (o que me dava uma aflição cada vez maior), em plena serra, meia verde seca, meia preta, lá voltámos atrás para apanhar a auto estrada.. aqui se intensificou o terror visual.. "eles já não podem estar nas matas, existem populações em risco, e é aí que eles tem que batalhar" ouvi da minha mãe ao perguntar porque via eu incêndios de um lado e de outro da estrada e ninguém a apagá-los..
Desculpem se me repito, mas foi dos piores momentos da minha vida.. a umas dezenas de metros de mim via o fogo a alastrar-se, arvores sem fim a ficarem despidas.. e uma angustia indescritível.. para quem, como eu, ama a natureza, é como se me tivessem a queimar a própria alma.. "já nem vale a pena estarem lá" badalava na minha cabeça...
tenho plena noção.. por mais anos que venha a viver, por mais experiências negativas que possa viver, esta viagem nunca vai ser esquecida e será marcada para sempre como "a viagem ao inferno"
"Ontem o dia foi dramático, com apenas três distritos livres de incêndios - Lisboa, Aveiro e Faro. Centenas de pessoas foram evacuadas de várias localidades da zona Centro e um paiol e uma central termoeléctrica estiveram em perigo". (excerto do jornal público - 04/08/03)
e agora?! que fazer?!?! O Conselho de Ministros extraordinário vai declarar hoje o estado de calamidade pública no país.. uma medida sensata, mas como ouvi ontem, vem tarde e a más horas.. pois tá claro, os nossos queridos representantes do país não poderiam estragar o seu maravilhoso fim-de-semana.. mas ok, não quero ser má.. esperemos para ver o que se vai decidir.
O que me preocupa é o "pós".. O que se falará daqui a uns meses? claro que em pleno inverno, incêndios não serão manchetes de jornal ou tema de conversa no café.. pois tá claro, mas é aí? as florestas não renascem de um dia para o outro!.. Mas parece que ninguém se apercebe disso.. deixaremos o assunto ficar em aguas mornas até que, no próximo ano, se ainda houver alguma ramita verde, comece a arder e todos abramos a boca e digamos "que desgraça..."
acho muito bem que se preocupem com as populações, e que estas sejam ajudadas até ao fim, não sendo esquecidas depois desta vaga.. mas não podem ser as únicas coisas a ter em atenção... meus amigos.. Portugal está negro, seco, despido e queimado, mas nesta vez, no verdadeiro sentido da palavra.. não nos esqueçamos disto em três tempos e tentemos mudar o curso que está a tomar o nosso país...